Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli | Folhapress
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou uma MP (medida provisória) que restringe o uso de créditos tributários do PIS/Cofins como compensação para bancar a desoneração da folha para empresas de 17 setores e de municípios com até 156 mil habitantes. O Ministério da Fazenda batizou a medida de MP do equilíbrio fiscal.
Como mostrou a Folha na semana passada, a proposta foi apresentada pelo governo na semana passada a algumas lideranças do Congresso Nacional. O governo espera arrecadar até R$ 29,2 bilhões com a medida em 2024.
O valor é mais do que suficiente para compensar a perda de arrecadação de R$ 26,3 bilhões estimada pelo Ministério da Fazenda com a desoneração da folha (R$ 15,8 bilhões das empresas e R$ 10,5 bilhões dos municípios).
A medida do governo atua em duas frentes. Em uma delas, o governo vai restringir o uso de créditos tributários de PIS/Cofins, obtidos pelo recolhimento do tributo na aquisição de insumos. Hoje, eles podem ser usados para abater o saldo devedor de outros tributos —inclusive contribuições à Previdência. A prática é chamada de compensação cruzada.
Com a MP, o aproveitamento do crédito só será permitido para abater o próprio PIS/Cofins. A mudança tem potencial para elevar a arrecadação em até R$ 17,5 bilhões neste ano, segundo a Fazenda.
Na segunda frente, o governo vai restringir o uso do crédito presumido do PIS/Cofins, uma espécie de benefício fiscal concedido com a intenção de fomentar algumas atividades econômicas e mitigar o efeito cumulativo dos impostos.
Segundo a Fazenda, as leis mais recentes já vedam o ressarcimento desse crédito em dinheiro como forma de impedir a tributação negativa —o contribuinte não só não recolhe tributos, mas ainda recebe um valor do governo, como uma espécie de subvenção financeira.
No entanto, há ainda oito casos em que esse ressarcimento é permitido. Em 2023, eles pleitearam o recebimento de R$ 20 bilhões, de acordo com a Receita Federal. A MP fecha a porta para esses oito casos.
Segundo a Fazenda, os contribuintes continuarão a poder usar os créditos presumidos, desde que haja tributo a ser pago e abatido. Essa medida deve acrescentar outros R$ 11,7 bilhões à arrecadação federal.
A medida foi anunciada nesta terça-feira (4) pelo ministro interino da Fazenda, Dario Durigan, e o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) está em Roma, onde se reúne com o Papa Francisco para pedir apoio à proposta do governo brasileiro no G-20 de taxação dos super-ricos. O Brasil ocupa neste ano a presidência do G-20.
No anúncio da MP, a equipe econômica destacou que a medida corrige distorções do sistema tributário brasileiro, sem elevar a alíquota dos tributos e prejudicar os contribuintes menores.
O diagnóstico é que essas distorções têm permitido que a arrecadação de alguns setores com o PIS/Cofins seja praticamente nula ou até mesmo negativa, enquanto outras atividades carregam o ônus da tributação.
Dados apresentados pelo Ministério da Fazenda apontam que, para os setores beneficiados pelos créditos presumidos, a alíquota real (efetivamente paga) tem ficado abaixo de 1%, bem abaixo da alíquota nominal do PIS/Cofins no sistema não cumulativo (9,25%), com possibilidade de abater créditos, e cumulativo (3,65%), sem direito a créditos.
Como resultado, disse o secretário da Receita, alguns setores acumulam de forma recorrente um volume tão grande de créditos que o pagamento do tributo não acontece, e as empresas passam a receber dinheiro de volta do governo. "Batem na porta do Fisco e recebem um cheque."
Barreirinhas e Durigan não quiseram citar os setores atingidos e que pouco ou nada pagavam de PIS/Cofins antes da edição da MP, apesar da insistência dos jornalistas. O secretário da Receita afirmou apenas que o número de empresas impactadas é pequeno.
"Não quero cravar um setor, porque mesmo dentro dos setores há situações muito peculiares. Às vezes há empresas que pagam bastante tributo e outras que pagam menos", disse Barreirinhas. "O que eu posso afirmar com segurança é que as empresas que são mais diretamente atingidas pelas medidas são aquelas que hoje não têm uma oneração efetiva."
O setor do agronegócio, que tem uma bancada com poder de pressão no Congresso, é um dos afetados, segundo lista elaborada pela XP Investimentos a partir da MP publicada.
Segundo Caio Megale, economista-chefe da XP, os efeitos fiscais são positivos no curto prazo, mas incertos no médio prazo. Na sua avaliação, haverá forte resistência do Congresso à medida.
"É possível que os efeitos da MP, se aprovada, sejam diluídos." Por outro lado, ele ressaltou que a restrição ao uso de créditos de PIS/Cofins pode melhorar as projeções de resultado primário neste ano, embora tenha efeitos adversos sobre a arrecadação dos anos seguintes.
Embora o aperto nas regras de compensação de créditos não esteja no rol de medidas previstas na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) como possíveis compensações a medidas de renúncia fiscal, Barreirinhas disse que está otimista e confiante de que a saída será aceita pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele não informou qual o impacto estimado da medida em 2025, mas disse que a tendência é de redução dos efeitos de alta da arrecadação ao longo do tempo.
A restrição do uso dos créditos tem a vantagem de não precisar respeitar a chamada noventena, prazo de 90 dias entre a edição de medida que eleva um imposto e a efetivação da cobrança sobre os contribuintes. Ou seja, os impactos sobre a arrecadação tendem a ser imediatos.
Além disso, PIS e Cofins são contribuições sociais, cujo produto da arrecadação não é dividido com estados e municípios. Isso significa que a União vai absorver todo o ganho esperado com a medida.
Durante a coletiva, o secretário ainda confirmou que a Receita Federal estuda elevar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre cigarros, como noticiou a Folha de S.Paulo, e disse que o órgão constituiu um grupo de trabalho para analisar a carga tributária efetiva das empresas que atuam no setor para identificar eventuais distorções.
A desoneração da folha das empresas foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha de S.Paulo. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
No caso dos municípios, a desoneração foi aprovada pelos parlamentares em 2023, vetada por Lula e reinstituída pelo Congresso a partir da derrubada do veto. O governo editou uma medida provisória para revogar o corte nas alíquotas para 8%, mas sofreu resistências e precisou fechar um acordo para manter a cobrança reduzida em 2024.
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ENTENDA AS NOVAS REGRAS
Crédito do PIS/Cofins em geral
Serão compensáveis apenas na sistemática da não cumulatividade, sem compensação com outros tributos ou cruzada, exceto com débitos do próprio PIS/Cofins. Mantém-se a possibilidade de ressarcimento em dinheiro, mediante prévia análise do direito creditório.
Crédito presumido de PIS/Cofins
Espécie de benefício fiscal concedido a empresas. Leis mais recentes já vedam o ressarcimento em dinheiro, impedindo a tributação negativa ou subvenção financeira para setores contemplados, mas em oito casos a autorização permanecia.
A MP estende a vedação ao ressarcimento para os oito casos que permaneceram e que representaram R$ 20 bilhões pleiteados em 2023. Não se altera a possibilidade de compensação na sistemática da não cumulatividade, ou seja, o direito permanece, desde que haja tributo a ser pago pelo contribuinte.