Por Victor Hernandes
Baianos e turistas tem uma quinta-feira no mês de janeiro com uma conotação muito especial. Trata-se da quinta em que é celebrada a Lavagem do Bonfim. O festejo em honra ao Senhor do Bonfim, reúne baianos, soteropolitanos e até turistas.
A tradição, que conta com o pagamento de promessas de devotos e fiéis, é uma das mais marcantes e esperadas no calendário de festejos da Bahia. Para entender os motivos que levam o Senhor do Bonfim, seu festejo e sua Basílica serem tão especiais, a reportagem do Bahia Notícias foi conversar com o historiador Rafael Dantas, além de baianos e turistas que admiram essa igreja e festividade.
Segundo Rafael, uma das questões que faz com que o Bonfim seja muito requisitado são as tradições marítimas. A imagem do Senhor do Bonfim, que é Jesus Cristo no catolicismo, foi trazida através de caravelas nos séculos passados. Além disso, diferentes milagres que aconteceram naquela época foram atribuídos a imagem do Bom Jesus do Bonfim.
“Acho que a primeira questão a ser destacada é a força da tradição da festa ao longo do tempo. A tradição da festividade é iniciada no meado do século XVIII, destacando especialmente esses encontros que formam um pouco da cultura da Bahia. Essas tradições marítimas, esses caminhos do mar, as romarias existentes e evidentemente a força do catolicismo naquele contexto”, detalha.
“Outro ponto importante para destacar evidentemente que a igreja, a festa do Bonfim, o Senhor do Bonfim estão atrelados aos inúmeros milagres que aconteceram ao longo do tempo; as famosas romarias que saíram de diversos lugares do Sertão do Recôncavo de Salvador e locais distantes para você fazer os seus agradecimentos e pedidos no Bonfim. É uma tradição que se estabeleceu, que marcou o contexto do próprio século XIX e no século XX virou identidade do povo da Bahia”, explicou o historiador.
Rafael contou também que a ida constante de pessoas de religião de matriz africana à Basílica do Bonfim e o sincretismo religioso também influencia nesta popularidade.
“[O sincretismo] entra na ordem de como o popular interpreta essas manifestações. Você vê que temos um exemplo de uma festa católica, uma tradição católica como, onde Senhor do Bonfim é Cristo. Porém, para o povo, para a Bahia, esse lugar de encontros da cultura, para os adeptos das religiões matrizes africanas, o Senhor do Bonfim também tem associação com uma Oxalá, tem esse lado sincrético. Na verdade, quem vai ao Bonfim cultua os dois ou está ali nesse espaço energético de culto duplo. O certo falar é que é um é uma energia híbrida, é um costume uma tradição hídrica onde muitos lembram do Senhor do Bonfim do próprio Oxalá, o vestir branco, botar alfazema, colocar pemba branca, banho de pipoca então. São questões feitas em frente à igreja católica então, sem dúvida nenhuma, dá um tom especial e de resistência da festa”, observou Dantas.
SAGRADO E PROFANO
Um outro quesito que faz com que a festa seja uma das mais famosas é o seu lado profano. Além do cortejo religioso, o festejo do Bonfim conta com desfiles de fanfarras, pequenos shows entre outros.
“ A questão profana influência e sempre esteve presente. Temos relatos, descrições e recortes que mostram a festa e os batuques que acontecem em volta inclusive manifestando a ira dos católicos fervorosos e dos preconceituosos racistas no século XIX. Sempre teve festa, sempre teve profano, sempre teve essa comemoração paralela Isso foi se intensificado especialmente no século XX, onde existiam tradicionais barraquinhas, onde se vendiam de tudo um pouco, principalmente bebidas. É uma festa onde o povo vai não só para comemorar ou agradecer, mas também para curtir, conhecer pessoas conversar paquerar”, disse o historiador.
Para Rafael, este perfil profano se consagrou e se familiarizou tanto, que o divisor de águas, que fez com que o Bonfim se tornasse tão reconhecido, foi quando a fama começou a chegar em outros lugares do país, a partir do século XX.
“A imagem da festa e por consequência do Senhor do Bonfim se tornaram algo tão forte, tão evidente em indícios documentários, de se concretizar enquanto ícone da cidade, um ícone da Bahia ou o mesmo do Brasil, aconteceu especialmente meadas no século XX. Antes a festa era muito forte, era maravilhosa, todo mundo conhecia já era indicadas em diversos lugares, mas do ponto de vista de algo que todo o país conhecia, inclusive atraía turismo, isso foi só nos anos 30 em diante. Inclusive presente em revistas, roteiros, jornais, filmes e várias campanhas que foram feitas”, revelou.
ADMIRAÇÃO DE TURISTAS
A lavagem do Bonfim, o Senhor do Bonfim e a Basílica, não são admirados só por baianos, mas também por pessoas de fora do estado. De acordo com o coordenador da pastoral de turismo da Arquidiocese de Salvador, Padre Manoel Filho, a igreja do Bonfim atrai milhões de pessoas não só por seu lado espiritual, mas também histórico.
“Uma Colina tão bonita atrai milhões de pessoas não só por ser um lugar de densidade espiritual, mas também uma questão histórica. A escadaria do Bonfim não é tão grande quanto as pessoas pensam, no entanto é o lugar de convergência de inclusive de pessoas de outras religiões ou pessoas sem religião”, apontou.
A tradição de amarrar as fitinhas para realizar três pedidos, também impacta na fama do Bonfim.
“Esses aspectos devocionais também em torno da fé no Senhor do Bonfim. É a vela que se acende, a fitinha que se amarra que virou também uma imagem muito divulgada que todo mundo que chega no Bonfim quer amarrar aquela imagem, fotografar e postar amarrando aquela fita. Tudo isso virou uma fonte digamos de mídia espontânea e com certeza divulga muito”, comentou.
Essa admiração de turistas por pessoas de fora é vista na estudante Maria Rita Simon. A juazeirense afirmou que admira bastante a decoração das fitas na grade da igreja.
“Eu acho que é não somente pela beleza da Igreja antiga, mas a energia boa e paz que a gente sente estando lá[...] é muito lindo as fitinhas decorando a igreja, e só de pensar que ali são vários pedidos de muita gente de fé, é de arrepiar”, indicou.
Já para a pernambucana Natália Angelo, de 34 anos, “a espiritualidade dos baianos e do local faz com que o Bonfim seja tão especial".
“O motivo do Senhor do Bonfim ser tão admirado por nós turistas é pela energia do lugar, pela religiosidade dos baianos, pela sintonia. Todo esse conjunto leva a nós turistas a admirar, a ficar completamente encantado com todo aquele ritual baiano e tem essa questão da energia também, da crença baiana que leva a gente a ficar sintonizado com toda essa energia e torna essas datas assim tão especiais para os turistas, que vão muitos especialmente para conhecer bem de perto, como que funciona esse calendário baiano”, completou.