Por Alexa Salomão | Folhapress
A contribuição estadual, novo tributo inserido de última hora no texto da Reforma Tributária na Câmara, poderá elevar o preço de produtos no mercado interno, afetando o custo do transporte, de itens industriais, mas especialmente dos alimentos, alertam especialistas em tributação.
Contraditoriamente, enquanto a reforma propõe tributação zero para a cesta básica, a contribuição pode elevar o preço de itens como arroz, feijão, café, tomate, frutas, carnes bovina, de frango e de suíno, além de soja e milho, fontes de óleos vegetais e ingredientes essenciais de diversos produtos, como ração.
Pela redação do texto, haverá permissão para taxar produtos primários e semiacabados como alternativa para manter o financiamento de fundos estaduais criados até 30 de abril deste ano. A contribuição poderia ser aplicada até 2043.
A possibilidade de criação desses fundos foi instituída em 2016 pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). A forma de cobrança para o financiamento já é questionada no STF (Supremo Tribunal Federal). Até o momento, sete ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) já foram ajuizadas.
Esses fundos estão espalhados pelo país, segundo levantamento realizado por três escritórios: Okuma Advogados, Silveira Athias Associados e Donas Guimarães Falek Advogados.
Esse estudo preliminar, realizado em janeiro e fevereiro, identificou 17 fundos do gênero -16 já em operação nos estados de Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins.
O do Paraná foi aprovado e está em fase de implantação. Há um fundo em discussão na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Os tributaristas avaliam que, pela redação do texto, não dá para saber o real alcance da contribuição, mas a proposta sugere se tratar de um tributo adicional, uma espécie de novo ICMS, que vai se somar aos tributos propostos na reforma -o estadual IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a federal CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços).
Como cada estado teria autonomia para definir a cobrança, a contribuição poderia ser aplicada no mercado interno, mas também sobre exportação -o que está vetado para os outros tributos criados. Como o preço de muitas commodities é cotado em Bolsa, a tendência é que a alta da tributação se concentre no mercado interno.
"Essa contribuição será uma válvula de escape para estados fugirem das amarras do IBS", afirma o advogado Fernando Scaff, sócio do Silveira Athias e professor de direito financeiro da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
ESTADOS CONTEMPLADOS LIDERAM PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
Tributos têm peso no preço final de qualquer produto, explica o economista Andre Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
"Todo aumento de imposto bate na gôndola, e bate rápido, porque dificilmente uma cadeia produtiva absorve aumento de tributos", afirma.
A pauta de produção e exportação de commodities dos estados com fundos dá uma ideia do que pode ser tributado a mais, caso a contribuição seja mantida no Senado.
O cultivo de soja e milho é forte em nove desses estados, com destaque para Mato Grosso, líder na produção não apenas desse grão, mas também de milho e carne bovina. O estado tem o maior rebanho de gado do país.
Já o Paraná é responsável por um terço da produção de frango e tem a vice-liderança em suínos.
O Espírito Santo é o segundo maior produtor de café do Brasil, concentrando o plantio do tipo conilon --com maior produtividade-- e vendendo especialmente para o mercado interno.
Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte são os maiores produtores e exportadores de frutas. Na lista estão manga, uva e melão, apenas para citar alguns exemplos.
Oito estados concentram a produção de feijão, sendo que seis deles têm fundos. Paraná, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Ceará e Pernambuco respondem por quase 60% do total nacional.
Estimativas da próxima safra apontam que Goiás vai responder por um terço da produção de tomate. O Estado tem avançado na agricultura, já disputando a quinta colocação no ranking nacional de grãos.
O maior produtor de arroz e trigo é o Rio Grande do Sul, que ainda não aprovou o seu fundo. Também se destacam no cultivo desses itens os estados de Tocantins e Maranhão.
O advogado Thales Falek, que trabalhou no levantamento, diz que será preciso mapear o país para consolidar o número total de fundos. Para ele, independentemente do que está posto, todos os estados vão trabalhar para ter acesso à nova contribuição, caso ela seja validada.
Minas Gerais, por exemplo, não consta do levantamento inicial. Mas, em entrevista à GloboNews nesta quarta-feira (12), o governador Romeu Zema disse ser contra o aumento da carga tributária, embora apoie alternativas para que os estados possam tributar recursos minerais e do agronegócio.
"Esses fundos fazem parte de um grupo que já tinha fonte de receita atrelada a algum benefício fiscal com ICMS", afirma Falek.
"Não é possível afirmar que apenas esses vão ser beneficiados. Será preciso passar um pente-fino para dimensionar o total que já existe e esperar a reação de outros estados."
FUNDOS SÃO QUESTIONADOS NO STF
Tributaristas avaliam que a proposta da contribuição fere princípios da tributação e diretrizes da Reforma Tributária.
Um dos motivos é que a nova contribuição manteria a cobrança na origem, quando o país está mudando a cobrança para o destino. Além disso, ela seria um novo tributo, quando o esforço é reduzir os que já existem.
A Constituição hoje proíbe os estados de criarem contribuições, que são tributos com destinação específica. Como a cobrança do fundo tem destinação específica, as ADIs no STF recorrem a esse dispositivo constitucional para pedir a suspensão da cobrança.
Okuma explica que a maioria dos estados determina que a empresa interessada em ter benefício fiscal de ICMS precisa pagar 10% desse benefício para o fundo.
"Como esses fundos têm como base o mesmo convênio, a feição é parecida, mas sempre com particularidades, porque os estados entendem que têm competência para fazer a legislação como quiserem", explica a advogada Alessandra Okuma, especialista em tributação.
Goiás, por exemplo, cobra até 1,65% sobre o valor total da operação com as mercadorias discriminadas na legislação do ICMS ou por unidade de medida adotada na comercialização. Tocantins cobra sobre o valor da nota fiscal.
A leitura entre os advogados é que os estados aproveitaram a reforma para constitucionalizar o que estava sendo questionado.
"A discussão no STF pode mudar se esse dispositivo for aprovado, porque ele busca reconhecer a natureza tributária dessas contribuições que já existem e tenta convalidá-las", diz Okuma. "Na minha opinião, os governadores assumiram textualmente que já estão cobrando tributo, o que não poderia."
O QUE DIZ O TEXTO QUE PASSOU NA CÂMARA
A redação sobre o novo tributo diz que:
"Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relacionados com o imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, prevista na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023.
Parágrafo único.
O disposto neste artigo aplica-se até 31 de dezembro de 2043."
Na Constituição, o citado artigo determina::
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior